Dia a dia
O dia a dia de quem lida com as incertezas da covid-19
Conheça a história de pessoas que tiveram que mudar a rotina de vida para se adaptar às restrições do coronavírus
Com o número crescente de infectados pela covid-19 no Espírito Santo, as pessoas já começaram a sentir os reflexos pessoais e profissionais de uma crise internacional. Enquanto alguns não podem deixar de trabalhar e continuam expostos à contaminação, outros estão muito próximos (ou longe) da família e, por isso, reinventaram o cotidiano dentro da própria casa. Cada qual à sua maneira, eles inventaram diferentes jeitos para enfrentar as incertezas sobre o futuro, as dificuldades financeiras e os riscos da doença, ainda sem previsão para ir embora do estado.

Luciana concilia o home office com o filho de 6 anos, portador de paralisia cerebral, e o marido. Foto: Arquivo pessoal
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Os impactos econômicos do novo coronavírus afetaram, desde a última quarta-feira (25), a vida de Luciana de Andrade, 40 anos, que precisou levar sua loja de bolos, em Vitória, para dentro de casa. No estado há quase dois anos, a paulista largou a vida como funcionária de banco e abriu seu próprio negócio, que teve queda de 70% após o número de casos avançar pela cidade. Apesar do prejuízo, a autônoma explica que não pode parar, pois tem apenas a loja como fonte de renda para manter ela, seu filho com paralisia cerebral, de 6 anos, e o esposo, que está desempregado.
“Há um mês, estávamos pensando em expandir a loja para um shopping, mas tudo veio água abaixo. De repente, estou trabalhando sozinha e precisando cuidar do meu filho que tem necessidades especiais, ainda por cima sem sair de casa”, desabafa.
No entanto, Luciana e seu marido decidiram apostar em uma forma poderosa para alavancar o trabalho: as redes sociais. Por serem antenados com o mercado, também migraram para os aplicativos de delivery, na expectativa de que os pedidos aumentem. “Creio que as coisas irão melhorar, é só não perder a esperança”, declara a autônoma.

Pai de dois filhos, o médico David precisou se afastar da família durante os dias de isolamento social. Foto: Arquivo pessoal
Na linha de frente contra o vírus, o médico David Rodrigo de Abreu, 40, trabalha na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de São Pedro, em Vitória, onde atende emergências de toda a região, inclusive pessoas que apresentam os sintomas da doença. E para prevenir que sua família não seja contaminada, ele não vê a esposa e os dois filhos, um de 5 anos e outro de 2, há uma semana.
“Eu e minha mulher, que também é médica, decidimos que seria melhor ela levar as crianças e os pais dela para o interior. Está sendo difícil,especialmente para os nossos filhos. Já contamos sobre o vírus, mas eles ainda perguntam por mim, dizem que querem vir trabalhar comigo (risos). Sem minha família aqui, decidi preencher minha agenda ao máximo, cumprindo minha escala e, ao mesmo tempo, cobrindo colegas que estão afastados por apresentarem sintomas”, conta o médico, que precisou mudar toda a sua rotina para evitar o contágio, até mesmo com a higiene dentro de casa.
“Afinal, o primeiro contato do coronavírus é com profissionais da saúde. Tentamos lidar com a situação e ficar positivos, mas o cenário mundial para a classe dos médicos é assustadora”, ressalta.
Além dos médicos, outra categoria que vem sofrendo por estar muito exposta ao vírus é a de motoristas de aplicativo. Com a diminuição do número de corridas, o motorista Rafael Matos, 37, dobrou a quantidade de tempo ao volante, de 6h para 12h seguidas, pois não possui nenhuma outra fonte de renda. Mesmo sendo divorciado, Rafael precisa custear a pensão do filho e pagar suas contas, que, segundo ele, vão acumular daqui algumas semanas.
“Não tem jeito: ou eu trabalho, ou o fome. Muitos colegas no grupo de risco estão ganhando cestas básicas doadas pelo nosso sindicato, por não poderem trabalhar. As corridas diminuíram tanto que, além do coronavírus, também estamos preocupados com o crescimento dos assaltos. Como o intervalo entre as corridas está muito grande, entre 10 a 20 min, e precisamos rodar por lugares onde não vamos frequentemente, ficamos mais expostos ao crime”, denuncia.
Dentro do grupo de risco, a aposentada Maria Amélia Dias, de 74 anos, já não saía muito de casa antes da pandemia. Com a restrição de não poder nem ir ao supermercado, único lugar que ela costumava visitar, precisou pedir ajuda ao filho, que está ficando com ela nesses dias de isolamento. Juntos, eles descobriram formas de distração contra o medo e o tédio, como assistir televisão, ar à internet e jogar baralho, uma paixão antiga de dona Amélia.

A aposentada Maria Amélia, de 74 anos, e o filho. Foto: Arquivo pessoal
“Nós estamos confinados desde quando tudo começou, há, mais ou menos, uns 12 dias. Aqui dentro a gente perde a noção do tempo. Por sorte, não estou solitária. A rotina continua parecida, mas é difícil não ter liberdade para fazer o que quero. Sempre fui muito livre, e agora não sei quando as coisas vão voltar ao normal, o que me deixa preocupada”, conta a idosa, que mora na Praia da Costa, em Vila Velha.
Com os filhos também reunidos dentro de casa, o que não era comum há uma semana, a dona de casa Ana Lucia da Silva, 50 anos, criou uma nova rotina para a família. De forma revezada, os filhos e a nora dividem as tarefas domésticas que, antes, eram desempenhadas apenas por ela. Segundo Ana, um lava a louça, enquanto o outro sai para repor os mantimentos que estão faltando, e assim por diante.
“Depois que eles começaram a me ajudar, ficamos mais unidos. Já conseguimos conversar sobre qualquer assunto, o que não era comum. De fato, controlo eles para terem disciplina, até porque não sabemos o que será no dia de amanhã”, reflete a dona de casa, que fez aniversário durante o período de isolamento social.
“É triste não ter a presença do restante das pessoas que amo, mas, se a gente continuar tocando com esperança, daqui a pouco tudo volta ao normal. O importante é olhar pra frente, independentemente do que aconteça”, diz Ana, mostrando confiança.
