Dia a dia
Jovens se unem para fincar raízes nos campos capixabas
Por meio do Núcleo Jovens Cooperativistas, filhos de produtores têm trocado experiências e se apoiado para que continuem lutando em suas propriedades para manter os mais novos no meio rural

Jovens do campo se unem e formam o Núcleo Jovens Cooperativistas – Foto Luciana Castro
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Por Luciana Castro
Era início da tarde de sábado, com céu ensolarado. Oportunidade convidativa para um banho de piscina ou um eio por cachoeiras no interior do Espírito Santo. Mas para um grupo de jovens em Nova Venécia, Noroeste do Estado, aquele era um dia de aprender mais. Eles fazem parte do Núcleo Jovens Cooperativistas e, a cada dois meses, se reúnem para trocar experiências, debater sobre assuntos das suas respectivas propriedades e, acima de tudo, se apoiarem para que continuem lutando em suas propriedades para manter a juventude no campo.
Eles se conheceram durante um curso oferecido pelo sindicato e organização das Cooperativas Brasileiras do Espírito Santo (OCB-ES) em 2015, o Jovem Coop, e mantiveram contato mesmo depois que as aulas acabaram. O último encontro foi na casa da veterinária Fernanda Zavarise, 31 anos.
O trabalho desse grupo, que tem média de idade entre 18 a 35 anos, e conta com cerca de 30 participantes, faz a diferença. Os números mostram que a presença dos jovens nas cooperativas rurais têm sido motivo de alerta para a questão da sucessão. Na Coopeavi (Cooperativa Agropecuária Centro Serrana), uma pesquisa interna apontou que a média dos associados é de 50 anos. Falta mão de obra qualificada para a renovação.
“A sucessão familiar é um ponto crítico, porque é difícil o pai ceder e o filho querer tocar o negócio. Eu, hoje mesmo , depois de ter feito faculdade de veterinária, prefiro ficar na propriedade. Eu tiro leite, cuido das questões ligadas à minha profissão e istro, junto com meus pais. Eles estão em uma gerência e eu em outra parte, e assim a gente vai levando. O Núcleo Jovens Cooperativistas foi uma alavanca para a gente permanecer na propriedade”, comenta Fernanda.
Um dos líderes do grupo, o engenheiro agrônomo Jecimiel Borchardt, 32 anos, conta que após o curso Jovem Coop, iniciado em 2013 e finalizado em 2015, parte dos alunos teve o interesse de ter uma comunidade jovem com a ideia da sucessão das cooperativas e dentro das propriedades também.
“Em 2015, criamos o núcleo, chamado Rodrigo Sardinha, em homenagem a um dos participantes do Jovem Coop que faleceu. A partir de então, organizamos encontros mensais, alguns eventos e ações paralelas. Nosso objetivo era reunir os jovens e promover a sucessão, continuar dentro da propriedade. Temos propostas de sair, mas a ideia é sempre de permanecer onde a gente foi criado. Não me arrependo. Aplico na minha propriedade e levo sempre o que aprendi para as pessoas próximas com o intuito de agregar,” acrescenta Jecimiel.

Jovens se unem para fincar raízes nos campos capixabas. Foto: Luciana Castro
Nas reuniões bimestrais, preparadas pelos próprios participantes, eles trocam experiências e dividem o que adquiriram nas suas formações acadêmicas e vivências da propriedade e do dia a dia com os demais colegas do Núcleo de Jovens. “O Núcleo de Jovens é uma base. Muitas vezes você está com uma dúvida ou quer conversar outras coisas, e é só a gente ligar um para o outro, marcamos de nos reunir e estamos sempre nos ajudando. O bom do cooperativismo é isso. O núcleo vai caminhando. Formou-se uma nova família”, ressalta Fernanda, que, assim como os demais, conta com a contribuição da psicóloga Raquel Monteiro, de 25 anos.
“Sou psicóloga e nos encontros eu tento ajudar de alguma forma, como por exemplo, nesta reunião de hoje, eu propus a falar um pouco da ansiedade do jovem no campo, de como podemos vencê-la. Acredito que todos nós podemos contribuir uns com os outros de alguma forma, trazer um pouco do que você mais sabe e compartilhar. Assim, nosso núcleo vai ficando cada vez mais forte e consolidado. Além da minha profissão na cidade, ajudo na propriedade com o cultivo de pimenta e café”, acrescenta.
Marido de Raquel, o contador Pedro Henrique Monteiro, 24 anos, também dá sua contribuição para o núcleo, principalmente nos assuntos istrativos e voltados para a questão financeira.“O que queremos é mostrar que é possível o agricultor ou pequeno agricultor ter, sim, rentabilidade na propriedade”, diz o contador.
E a semente plantada tem gerado frutos. Morador de Barra de São Francisco, Albino Batista, 24 anos, participou pela segunda vez da reunião do Núcleo Jovem. Na propriedade da família, ele cuida de gados e café. “Entrei recentemente para o grupo e estou achando muito interessante este contato. Dá para aplicar muita coisa na propriedade que a gente aprende neste círculo”, conta.
E mesmo que não se encontrem presencialmente, pois estão espalhados em algumas cidades do Estado, os jovens ficam em contato pelas redes sociais, e estão sempre programando ações, se movimentando. “Estamos sempre pensando em projetos, em ações sociais que possam trazer melhorias para a sociedade. Também estamos sempre em contato com as cooperativas, para que elas entendam que nós estamos aqui e podemos agregar” completa o contador Pedro Monteiro.
Maioria tem acima dos 50 anos
Com o avanço da tecnologia, tornou-se ainda mais árduo cativar o jovem para que ele permaneça e invista na propriedade rural. Para se ter uma ideia, na Coopeavi (Cooperativa Agropecuária Centro Serrana), a média do quadro social dos associados é de 50 anos. Um número alto para um mundo que precisa de renovação.

Programa “Nosso Futuro Agro” em escola de Santa Maria de Jetibá faz jovens apreenderem de forma prática. Foto: Jorge Schneider
O presidente da Coopeavi, Denilson Potratz, vê como urgente a necessidade de promover políticas que incentivem os jovens a se interessar, adquirir conhecimento e permanecer no campo. “A gente precisa trabalhar de forma diferente com esses jovens. Eles não vão ser atraídos a ficar no meio rural se tiverem que trabalhar com enxadas, com o trabalho braçal. Eles querem ficar, mas para trabalhar com tecnologias. E a Coopeavi está atenta a essa necessidade destes jovens da atualidade. Por isso, apoiamos o programa “Nosso Futuro Agro”, na Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Fazenda Emílio Schroeder, em Santa Maria de Jetibá.”
O “Nosso Futuro Agro” é uma forma de ensino que se baseia na metodologia de alternância: uma semana os alunos do 6º ao 9º ano e do ensino médio ficam de forma integral na escola, e na outra semana, eles permanecem na propriedade rural aplicando o conhecimento adquirido, ajudando os pais com a lida na roça. “É um grande incentivo para estes alunos. Eles precisam de tecnologias para continuar nesse meio, precisam de atrativos.”
O diretor da Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Fazenda Emílio Schroeder, Jorge Schneider, diz que a mudança no ensino também tem ajudado a fixar esses alunos no campo. “Nossa função é tentar ar para o jovem que é possível ter rentabilidade no meio rural e que a propriedade deles é uma empresa que pode ter potencial para o agroturismo, ou ser referência na agricultura orgânica, por exemplo. O que eles precisam entender é que com conhecimento técnico, podem fazer o negócio da família prosperar a ponto de dar a eles um sustento. O desafio é motivá-los, por isso usamos de tecnologias, para fortalecer a visão que eles têm do meio rural. Saem da escola levando todo este conhecimento para compartilhar com a família que vive na propriedade”, explica o diretor.
Schneider destaca que a utilização dos equipamentos modernos cedidos pela Coopeavi durante as aulas contribuem para que as disciplinas fiquem mais atrativas e melhor entendidas por eles.
“Nós na escola não temos verbas para comprar ferramentas e com essa parceria da Coopeavi a gente consegue deixar as disciplinas muito mais interessantes e entendíveis para todos estes alunos. As disciplinas técnicas como topografia, agricultura, zootecnia, recursos hídricos, fisiologia da planta, manejo do solo entre outras, ficam muito mais atrativas com os equipamentos. E eles comentam com os pais deles que existe tal ferramenta que pode ajudar a tornar o negócio mais rentável. Então eles levam esse conhecimento para os familiares que estão lá no meio rural, para que eles também melhorem a produção familiar”, completa.

Santa Maria de Jetibá, alunos têm aula prática com ajuda de cooperativa capixaba. Foto: Jorge Schneider
Atrativos para manter a juventude no campo
Unanimidade entre os presidentes das cooperativas capixabas é o fato de perceberem que o jovem precisa ter estímulos, principalmente financeiros, para continuar na propriedade familiar. À frente da presidência da Coabriel, Luiz Carlos Bastianello aponta que ainda é muito tímida a participação juvenil no quadro social da cooperativa e que projetos como o Jovem Coop, que deu origem ao Núcleo de Jovens Cooperativistas, precisam estar em ação.
“Infelizmente temos uma participação baixa de jovens na cooperativa, a grande maioria tem acima de 50 anos. Estamos pensando em projetos para que possamos buscar a fixação dessa juventude na atividade agrícola e que haja a sucessão familiar. Porque a gente sabe que há um diferencial grande em ser herdeiro e ser sucessor. Precisamos dar visibilidade para eles, criar oportunidades rentáveis na propriedade rural e, sobretudo, utilizar da inteligência artificial, das tecnologias, para atrair esse nicho e fazer com que ele veja presente e futuro promissores na propriedade”, destaca Bastianello.
Para o presidente da Selita, João Marcos Machado, o jovem precisa receber incentivo e vislumbrar um futuro promissor, tanto nas propriedades quanto nas cooperativas.
“Para o jovem se manter nesse meio, ele precisa perceber que vai ter recompensas futuras. Eu mesmo comecei aqui na Selita em cargos de iniciantes. Fui sendo qualificado, fui me preparando, virei conselheiro, percorri todo um caminho até a presidência. Se formos pensar no campo, é da mesma forma. E o jovem precisa visualizar que ele pode fazer mais, mesmo tendo pouco, principalmente com o uso da tecnologia, com ferramentas, por exemplo, que o façam produzir mais, em áreas menores e ter um lucro maior. Essa possibilidade faz o jovem querer permanecer no campo”, aponta Machado.
Estímulo para formar líderes
O programa Jovem Coop, responsável por unir jovens no campo, é um programa nacional, que foi implantado no estado pelo Sindicato e Organização das Cooperativas Brasileiras do Espírito Santo (OCB-ES). Ele foi uma das iniciativas para qualificar e manter a juventude junto das cooperativas e presente no meio rural. O presidente da OCB-ES, Pedro Scarpi, comenta sobre a importância deste tipo de qualificação para a juventude capixaba.
“O programa foi uma excelente iniciativa. Por meio de aulas mensais, os jovens eram capacitados para fortalecer o cooperativismo e a serem líderes e agentes de transformação em suas organizações. No período de 2008 a 2016, o programa formou mais de 230 alunos, em diferentes regiões do Espírito Santo, com mais de 1.200 horas de capacitação. Quando finalizamos a última turma, entendemos que era o momento de reformular o programa, pois a longa duração e a alta carga horária acabou ocasionando evasões durante. A partir de 2020, nossa expectativa é de realizarmos a implantação do programa Somos Líderes, que está sendo desenvolvido em formato piloto pelo Sescoop nacional. O programa tem algumas premissas semelhantes ao antigo Jovem Coop, mas conta como uma metodologia inovadora, por meio da gameficação de conteúdo e trilhas de aprendizagem. Acreditamos que será um retorno em grande estilo e trará bons frutos ao cooperativismo capixaba.”

O Núcleo de Jovens Cooperativistas tem o objetivo de fazer os jovens se apoiarem para manter a juventude no campo. Foto: Luciana Castro
