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Dia a dia

A aprendizagem da escrita (como a da vida) é cotidiana e interminável… Vamos retomar já o exercício?

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  • Por Marli Siqueira Leite

É início de ano e, mesmo cientes das convenções culturais que cercam esses ciclos e da grandeza e indeterminação do tempo, essas agens nos servem para a reflexão, para o retorno as nossas raízes com o contato mais intenso com a família e para o planejamento de outros projetos e desafios: seja na vida pessoal, seja na profissional. Buscar uma terapia, definir metas no âmbito do trabalho e dos estudos, programar uma boa viagem de férias… E precisamos aproveitar esta energia renovada para tentarmos fazer diferente (ou o “mesmo” com olhos renovados), para nos desafiarmos a outras conquistas, ainda que o embalo na retomada dos exercícios físicos, por exemplo, possa não sobreviver ao verão que aí está.

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Em relação ao processo da escrita propriamente, como tenho reafirmado na coluna LINGUAviaGEM, é preciso lembrar que se trata de um processo contínuo, de muita persistência, idas e vindas. Confesso que eu mesma andei muito preguiçosa nos últimos tempos, depois de alguns projetos frustrados. Mas estou aqui, pronta para sonhar de novo e continuar investindo na minha formação de leitora e produtora de textos, de estudiosa e educadora sempre.

Para a retomada da contribuição a leitores e autores, proposta inicial da coluna, sobretudo a alunos(as) de ensino básico, pré-vestibulandos e candidatos ao Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), parto da análise da proposta de redação da Fuvest 2020. Embora tenha minhas críticas quanto à forma de ingresso no ensino superior no Brasil, é preciso ar por esses processos seletivos e se preparar para eles. Há de se saber como funcionam, qual o formato e o histórico das provas e quais os critérios definidos para a avaliação dos(as) candidatos(as).

A Fuvest, por exemplo, é a responsável pelos exames para o ingresso na Universidade de São Paulo (USP), o maior vestibular do país e um dos mais concorridos. As provas são preparadas com muito rigor e a avaliação da segunda fase conta com uma equipe formada há anos, com estudos preparatórios anualmente. No caso específico da redação, esta a pela avaliação de três especialistas, independentemente das discrepâncias. Não é o que ocorre com as redações do Enem. Trata-se de um exame muitíssimo bem preparado e, às vezes, motivo de queixas por abordar, em certa proporção, aspectos geográficos, históricos, literários relativos ao estado de São Paulo em especial. É bom ficar atento(a) a esse ponto!

A proposta de redação deste ano foi muito atual e pertinente: “O papel da ciência no mundo contemporâneo”. Por que atual e pertinente? Em 2019, sobretudo, foram inúmeras as notícias sobre cortes (para o governo “contingenciamentos”) na área da ciência e da pesquisa no país. Bolsas suspensas, falta de verba para os laboratórios de pesquisa, suspensão de projetos etc. E os problemas da vida cotidiana continuam aí, acirrados: eventos climáticos surpreendentes, tragédias ambientais, desigualdade social ampliada, doenças temporariamente dominadas voltando a assustar. Qual a importância e o valor da ciência nesse contexto? Podemos nos considerar avançados, na acepção da palavra, nesta entrada da década de 2020? Um grande tema, enfim, com o reforço de cinco bons textos de apoio e orientação para a escrita.

No primeiro, uma tirinha da série “As cobras”, de Luis Fernando Verissimo, o diálogo retoma a invenção da roda com uma crítica aos desdobramentos gerados pela descoberta. Avançamos de fato? Ou, às vezes, não surge uma vontadezinha de voltarmos atrás, aos tempos das cavernas? Tantas conquistas tecnológicas e nos esquecemos de prazeres tão simples, como o de um bom papo frente a frente com um familiar, um(a) amigo(a), o(a) amante. O segundo texto (1974), do tipo dissertativo-argumentativo, é de Oscar Sala e destaca a importância da curiosidade e da disposição para as descobertas, molas para a pesquisa e a ciência, associando-as à evolução da tecnologia e à possibilidade de melhorias na qualidade de vida dos cidadãos. Já a poesia não ficou de fora: a bela letra da canção “Quanta” (1997), de Gilberto Gil, oferece uma abertura para uma abordagem mais poética e filosófica do tema. A letra revela a beleza da “arte de criar o saber” e faz pensar sobre o quanto a física, a química estão intimamente ligadas à arte e à perspectiva poética. Momento em que o candidato poderia se permitir, com bastante cuidado, a uma escrita mais sensível e profunda. O texto de Carl Sagan (1996), o quarto, destaca as conexões da ciência e da tecnologia com os inúmeros campos do saber e da atividade humana: “o transporte, as comunicações e todas as outras indústrias, a agricultura, a medicina, a educação, o entretenimento, a proteção ao meio ambiente e até a importante instituição democrática do voto”. E, por fim, o quinto, revela o paradoxo do mundo atual. Ao mesmo tempo em que a população desfruta das benesses proporcionadas pelos avanços científicos e tecnológicos, muitos criticam e rejeitam esses avanços. Retoma, de alguma forma, a crítica apresentada na tirinha de Verissimo, mas com um posicionamento argumentativo outro, o da importância da valorização da ciência e de seu papel para uma vida mais confortável e promissora para todos(as).

Mesmo que você, leitor(a), não vá prestar vestibular e, em especial, a Fuvest, vale a pena escrever sobre este importante tema. Fica aí o desafio!

PS: A coluna propõe avaliar o seu texto, caso haja interesse. As redações poderão ser enviadas para o meu e-mail: [email protected].

  • O nome – LINGUAviaGEM – é referência ao poema de Augusto de Campos, de 1967-1970, que concretiza bem os propósitos deste espaço.


Marli Siqueira Leite é colunista do ES360