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Sete poemas para você conhecer parte da obra de Sérgio Blank

Poeta capixaba foi encontrado morto na sua casa, em Campo Grande, Cariacica. Conheça sua obra

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Sérgio Blank era conhecido como o principal expoente da poesia capixaba. Foto: Ariany Bianchi/Divulgação

Morto nesta quinta-feira (23), o poeta capixaba Sérgio Blank, de 56 anos, deixou uma vasta produção literária para a poesia capixaba. Não apenas pelo seu trabalho, mas por causa da incansável luta pela manutenção dos centros culturais do Espírito Santo, como a Biblioteca Pública do Espírito Santo (BPES) e a própria Secretaria de Estado da Cultura.

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Blank publicou seu primeiro livro, Estilo de ser assim, tampouco, em 1984. Depois vieram Pus (1987), Um, (1988); A tabela periódica (1993); Vírgula (1996), Os dias ímpares (2011), reunião das obras anteriores, e Blue sutil, sua última obra, lançada em fevereiro do ano ado, após 23 anos sem uma obra inédita. Há cerca de um ano, ganhou a cadeira número 9 da Academia Espírito-Santense de Letras (AESL).

Abaixo, confira alguns dos poemas que marcaram a história do “sutil” poeta entre os anos 1980 e 2000.

1. Os dias ímpares (no livro “Vírgula”, de 1996)

são os meus preteridos
em feixo de soluços
nestes sonhos datados
os meus anos colecionados
do calendário fixo no prego
na parede de azulejos – copa ao lado da cozinha
‘folhinha’ de papel couché sem foto de musa nua
e sim, ah mas claro que sim: óbvio
com sagrado-coração-de-jesus sangrando flechado e escarlate

2. O anel que tu me deste (“Pus”, 1987)

parte um

gente que nasceu em meu ano
não pensa a guerra
pedala sem tocar qualquer chão
pessoas que são poucas coisas
eios suados de bicicletas
findando nos ônibus de rodoviárias
nas caronas já caretas

partem dois

escritórios de textos poéticos
de bossa à beça
basta de bosta na festa
besta com fama de lenda
bis de novo
nada de neo
herói demitido
a moto mata os mitos
o destino dos mortos
máquina de moer carne
resta meu rosto
farelo de rosca
risco de farsa e elo
entre tudo mesmo
eu não falo mais nada
eu não valho
a tensão presta serviço
escreve o lucro do escravo boçal
cabeça caída em távola de bar
agora eu vou
um tanto além de embora
morrer de rir
engasguei com a gargalhada
gargarejo de papo e papel
encalhe no brasil

partem todos

(da infância esquecida
ao ultraado das rugas)

chega

3. Picles (“Tabela Periódica”, 1993)

com gim e rum
a dor no não e no sim
o ruim fio do pincel
qualquer traço com ou sem tom
que escreva uma sílaba
um trio diga um duo
o gosto da conserva do dia
num pote no peito do conservador
alheio a mim digno de ti
vinagre no hálito cru
fel que larga a pessoa nua
mas brio ou blue
têm quatro letras
em um ímã a escolher uma linha
a da rua ou até a de um ou de uma
sol ou lua à toa
sou gim e rum
que nem língua de minha boca
no céu da sua

4. O dia de dar bandeira (“Pus”, 1987)

salve o lindo
com perdão da palavra
esperança a única que falece
deixe estar eu a acender
cigarros no posto de gasolina
frisar a presença da partner tristeza
tenderlizando o local
mais uma lanchonete

refrão:
verde yellow blue branco

ai como eu sou lindo
um bicho bem besta
uma gargalhada destrói três obturações
me levando a comprar
outra pasta dentifrícia

refrão:
verde yellow blue branco
viva a bandeira do brasil (3)


5. Avestruz (“Pus”, 1987)

disfarça e sai dessa cena
o quarto com lençóis te aguarda
a mãe com beijos molhados te quer
o pai com muitos dotes te possui
desce os cílios e segue a vista
vire o rosto para o lado de lá
cai o semblante até o chão
e esfregue a face no tapete
uma carreira até em casa
trancafie-se entre os braços
limpe seus traços
e não chore e não chore
aos prantos corre até o próximo ônibus
sai do banheiro e desfila no corredor
e não chore
porque eu não quero
e não chore
a
os prantos ergue a cabeça
porque eu não gosto
ostenta cortes no pescoço
na ponta dos dedos esconda os olhos
e não chore
uma ave na voz
uma avis rara
pelicano ou ganso ou albatroz
no caminho de volta deixe cair uma pena
penugem & plumagem de avestruz

6. O mar na ponte que estala às escondidas S (“Vírgula”, 1996)

sonhei que um barco
um Drakkar com vários Vikings
eava sob as cinco-pontes
mas agora – desperto – vejo um guindaste que pesca containers
o que há nos containers que caem no cais?
Uma esperança a mais ou a menos
dúzias de marinheiros ou peixes de bom tamanho
um certo estrangeiro com boas falas e outra língua
ou seriam feixes mais feixes de pontos de interrogação
da ponte que são cinco avisto a cidade de bruços
na noite que me resta e basta
eu luthier para novos instrumentos-acordes e rumos
iro a cidade – ilha sem Crusoé
porto de dreams e minhas âncoras

7. Barroco no Bar (“Um”, 1989)

te quis
lei cortês
delicada liturgia à toa
li à altura
rio à margem
eu rio muito
página a página
capricho a interessante besteira
a crase trágica
busque as coisas
se for feio
meigo gosto de cortesia
o mês já era
e outra hora.