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Jovens poetas conquistam leitores pelo Instagram

Escritores utilizam a rede social para dar voz à literatura, com poesias repletas de sentimento, ativismo e reflexões sobre o cotidiano

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Por Maria Fernanda Conti

Como disse Sérgio Sampaio nos anos 70, “um livro de poesia na gaveta não adianta nada / lugar de poesia é na calçada”. Como o tempo na rua está cada vez mais escasso, a internet, principalmente as redes sociais, virou campo fértil para uma geração que tem amor pelos versos. Rupi Kaur (@rupikaur_), João Doederlein (@akapoeta) e Lucão (@lucaoescritor) são alguns dos nomes nacionalmente conhecidos como “insta-poetas” – escritores que têm conquistado leitores de poesia. Juntos, eles contam com mais de 5 milhões de seguidores, com versos sobre amor, assuntos do cotidiano e doses extras de ativismo, como as poesias feitas por mulheres para mulheres.

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Em meio à enxurrada de conteúdos da internet, os “insta-poetas” viralizaram ao postar textos curtos, com uma linguagem simples e, às vezes, de versos brancos (sem rima). Singularidades à parte, usam gírias e colocam no visual a atitude reveladora dos versos.

Com o apoio de projetos gráficos, caligrafias estilizadas e desenhos, desafiam uma mídia essencialmente de imagens.Os guardanapos de Pedro Gabriel Anhorn, ou Antônio (@eumechamoantonio), seu pseudônimo, conquistaram o mercado editorial e, desde 2011, repercutem na internet. Segundo o escritor, o Instagram é um dos responsável por acelerar o alcance de seu trabalho. “Por ser um território sem fronteira, ele possibilitou e acelerou diálogos que seriam inviáveis há algum tempo. Hoje, eu converso em tempo real com minha leitora de Manaus ou com meu leitor de Porto Alegre”, afirma o escritor em entrevista ao Metro Jornal. “Mas é bom frisar que nem tudo são flores. Ficamos reféns da ansiedade e do medo de ficar para trás. Querendo ou não, você tem que se policiar para não ficar preso a números, likes, comentários e compartilhamentos”, reflete.

Pedro Gabriel conquistou o mercado editorial por meio de suas poesias no Instagram. Foto: Reprodução

Pedro Gabriel conquistou o mercado editorial por meio de suas poesias no Instagram. Foto: Reprodução

Já o goiano Lucas Cândido Brandão, 34, ou Lucão, como é conhecido, criou um blog e, com a popularização do Instagram, migrou para as redes sociais. “As pessoas começaram a me seguir naturalmente, aconteceu sem querer – nunca foi um desejo, algo que persegui”, conta. E o sucesso foi tanto, que as parcerias surgiram.

“Por causa da internet, por exemplo, conheci a Astrid Fontenelle. Ela assinou o prefácio de um dos meus livros. Foi uma grande honra para mim”, revela.

Mais popular

De acordo com a doutora em Teoria da Literatura e professora do Ifes (Instituto Federal do Espírito Santo), Ana Klauck, o aspecto técnico dos poemas permite a integração com o Instagram. “Nas redes sociais, condensamos informações em poucas palavras. O mesmo acontece na poesia: são muitos sentimentos expressos em poucas linhas”, explica a professora. Por último, devido à sua capacidade de assumir formatos diferentes, adequando-se a qualquer espaço que lhe for dado. “Por isso, os poemas são bem recebidos no Instagram”, afirma Ana.

Ainda, segundo ela, esses poetas dão mais visibilidade para autores e obras antes não íveis, bem como viabilizam o uso por todos os tipos de públicos. “Com esse movimento, é possível entender que a poesia cabe em todos os espaços, não só em bibliotecas e centros culturais. Eles mostram que a poesia ainda existe, está se reinventando e pode ser interessante em outras plataformas”, afirma a professora. “Mais do que nunca, ela está viva e pulsante”, completa.

Para quem está começando na plataforma, como a Isabella Mariano, 27, de Vitória, a internet democratizou a literatura. “Acredito que o processo artístico só se completa quando alcança o leitor. Na internet, a gente conquistou isso”, comemora.

Isabella vê o Instagram como possibilidade para a troca, não só com os seguidores, mas também com outros poetas, criando parcerias e inspirações. “Converso com gente do Rio de Janeiro, Salvador, do interior do Espírito Santo… São pessoas como eu, que estão tentando produzir sua arte e apoiam umas às outras”, diz a escritora.

Os desenhos em nanquim e as frases de autoconhecimento da pernambucana Clarice Freire (@podeluaoficial) provam que esse terreno está sendo ocupado. “Não imaginei que a internet seria um lugar tão propício e fértil, sobretudo para a poesia nacional. Ainda mais para mim, uma mulher nordestina. Antigamente, só quem estivesse no eixo RJ-SP conquistava relevância, mas hoje várias vozes são escutadas”, relata a jovem.

“O importante é fazer um trabalho que seja pessoalmente relevante, o qual você posta e compartilha porque acredita naquilo, independentemente de qualquer like ou stories”, aconselha Clarice.

Clarice Freire investe em poesias de autoconhecimento no Instagram. Foto: Reprodução

Clarice Freire investe em poesias de autoconhecimento no Instagram. Foto: Reprodução

De mulher para mulher

Foi o mundo virtual que abriu as portas para o Coletivo Nísia, na Grande Vitória, coordenado pela professora Daniela Andolphi. Ao conhecer as histórias de suas alunas, resolveu fazer da poesia um gancho para estimular a autonomia das jovens. Hoje, quase 60 adolescentes escrevem e transmitem para os espectadores suas experiências de resistência. Fazem lives e postam declamações, poemas, fotos e vídeos das competições das quais participam em contas pessoais. “As mídias sociais já faziam parte da vida delas, e ao ganharem visibilidade, aprenderam a reafirmar suas opiniões. Inclusive, muitos convites para apresentações e palestras só foram possíveis pelo Instagram”, afirma.