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Quem está no comando da manifestação dos torcedores na Paulista?
Foi inesperado. A manifestação dos torcedores de diversos clubes na avenida Paulista, no domingo, dia 1º, surpreendeu pelo ineditismo da formação do grupo e pelo tema, exposto em gritos: “Democracia! Democracia! Democracia!” Ver torcedores de times rivais unidos e defendendo regime democrático nas rua não é algo comum.
Os aliados de Bolsonaro vieram com as definições já conhecidas: comunistas, esquerdistas, petistas… De direita o movimento obviamente não é. Mas um olhar mais aproximado mostra uma união de torcedores aparentemente sem ligação com a diretoria das torcidas organizadas. “É um movimento autônomo. O presidente [da Gaviões da Fiel] apoia o movimento, mas não institucionalmente. A Gaviões da Fiel não criou o movimento institucionalmente, mas é um movimento mobilizado em sua maioria por sócios da Gaviões que se organizaram de forma autônoma”, diz Danilo Pássaro, um dos organizadores do protesto na Paulista. Ele tem 27 anos e é estudante de História na USP.
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O presidente da Gaviões, Rodrigo Gonzalez Tapia, o Digão, pode não comandar o protesto, mas um dos fundadores da torcida está à frente dele. Chico Malfitani, de 70 anos, sempre teve posicionamentos de contestação. A torcida, aliás, nasceu em 1969, em plena ditadura, para combater o então presidente do clube, Wadih Helu, deputado federal pela Arena. A reunião de nascimento da torcida aconteceu na casa do avô de Malfitani. Ele viria a se tornar conhecido como jornalista, publicitário, marqueteiro e sempre se posicionou ao lado das lutas populares. “O Corinthians sempre esteve ligado às lutas populares. A luta pela democracia, a luta pela liberdade, a luta pelos direitos dos cidadãos, a luta pelo torcedor ser respeitado”, diz Malfitani. No final dos anos 70, a Gaviões estendeu uma faixa pela anistia num clássico contra o Santos no Morumbi. Pouco tempo depois, apoiou a Democracia Corinthiana, movimento encabeçado por Sócrates, Casagrande e o então diretor de Futebol, Adilson Monteiro Alves. Mais recentemente, apoiou as ocupações de escolas ocorridas em São Paulo.
A participação histórica desaguou no protesto pela democracia na Paulista. “Nossa ideia agora é ser um ‘gatilho de pólvora’. É riscar o primeiro fósforo, já que os partidos de oposição e movimentos populares não se manifestam. Entendemos que tem pandemia, mas chega uma hora que temos que mostrar que o povo quer democracia. Nós somos 70%. Não é possível que 30% vão impor vontade de ditadura militar. A Gaviões foi fundada na ditadura, sabemos o que é isso”, disse Malfitani logo após a manifestação de domingo. A participação de torcedores em protestos não é exatamente uma novidade. Só para ficar em um exemplo, os recentes protestos ocorridos no Chile tiveram a participação de torcedores de vários clubes, também de forma conjunta.
Em entrevista para Paulo Vinicius Coelho, Danilo Pássaro revela um lado pouco conhecido das torcidas organizadas, normalmente ligadas à violência nos estádios. Ao falar sobre a participação de rivais palmeirenses no protesto, ele relata: “‘E um movimento de torcedores palmeirenses. Eles vão ao estádio e levam faixas, antifascistas. Levam faixas contra a homofobia, contra o racismo. Entre os santistas e são-paulinos, também.”
Como era de se esperar, a movimentação não é unânime nas organizadas. Ex-presidente da Gaviões, Ronaldo Pinto foi ontem para as redes sociais se manifestar. “‘Somos Democracia’ e tentam impedir manifestações contrárias. ‘Somos democracia’ e não vestem as cores de seu País. ‘Somos Democracia’ e usam camisetas alusivas a Fidel Castro, apoiam Maduro e outros lixos comunistas”, escreveu.
“Só está reclamando quem é a favor de um governo que não tem nenhuma direção para o Brasil. Qual a proposta para conter o coronavírus? Qual a pauta econômica para o país deixar a recessão?”, rebateu Chico Malfitani.
Danilo Pássaro faz questão de ressaltar o fato de não falar pela Gaviões. E também de anunciar novos protestos pela democracia. “O movimento nasceu porque julgamos que tem algo estranho no país. Com viés autoritário. Não fazemos parte de instituições políticas. Somos pessoas comuns. Já tem vários eventos criados para o próximo domingo. Nós participaremos.”
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