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Coluna Vitor Vogas

Pazolini contra Casagrande: muito barulho por, simplesmente, nada

Anunciou-se a explosão de uma bomba. Poderia ter sido uma bombinha. Mas, no fim, nem estalinho foi. Decisão da PGR de arquivar acusação de prefeito contra governador revela desproporção entre o rumor e o teor 

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Lorenzo Pazolini e Renato Casagrande. Fotos: Tati Beling e Hélio Filho

Muito barulho por nada. A decisão da Procuradoria Geral da República (PGR) de arquivar a notícia de fato do prefeito Lorenzo Pazolini (Republicanos) contra Renato Casagrande (PSB) é, antes de tudo, uma vitória jurídica para o governador. Mas é, também e com maior importância, uma vitória política para ele sobre um de seus maiores desafetos na atualidade. 

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Mais que a decisão em si, os termos usados pelo subprocurador-geral da República, Carlos Frederico Santos, para justificar o arquivamento, evidenciam a inconsistência (em termos jurídicos, a insubsistência) da seríssima acusação de Pazolini contra Casagrande quanto a suposto esquema criminoso de direcionamento de licitações em troca da liberação de recursos do governo estadual para o município de Vitória. 

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Ao pedir o arquivamento, o representante do Ministério Público Federal na ação foi categórico: constatou “ausência de justa causa para instauração de procedimento investigatório, decorrente da inexistência de elementos de materialidade e autoria”. Para ele, “não há, no presente feito, qualquer elemento que evidencie, neste momento, a participação do Governador dessa unidade federativa, ou de outra pessoa que detém prerrogativa de foro, nos fatos narrados”. 

Traduzindo: o autor da decisão não identificou, na notícia de fato de Pazolini, elementos mínimos para justificar sequer a abertura de uma investigação. Assim, optou pelo arquivamento sem nem mesmo propor um inquérito. O processo morreu ainda na fase preparatória. O governador não foi nem será sequer investigado nesse caso. 

O arquivamento em fase tão precoce expõe a fragilidade de uma acusação que, a bem da verdade, já soava realmente muito frágil devido a um detalhe ululante: as provas que nunca vieram a público (e tampouco aos autos, como agora se sabe). Evidencia uma desproporção entre o estrépito com que a “denúncia” foi feita pelo prefeito e o silêncio que se seguiu depois; entre o que foi “prometido” e o que efetivamente foi “entregue”; entre o que foi anunciado e o que restou, de fato, demonstrado. 

Feitas publicamente no dia 14 de maio, em discurso durante evento de inauguração de uma escola municipal em Jardim Camburi, as gravíssimas acusações endereçadas por Pazolini ao governador não foram acompanhadas pela apresentação de evidências, ao menos não de maneira pública, naquele primeiro momento – apesar da enorme expectativa criada, por ele mesmo, em torno do assunto. Mas também não o foram num segundo momento. E nem num terceiro momento… 

Por muito tempo, até o tema ser “tragado” pelo processo eleitoral e acabar deixado em segundo plano, todo mundo que segue minimamente a política local ficou a se perguntar (e a pergunta só podia mesmo ser retórica, já que o próprio prefeito nunca mais falou sobre o que ele mesmo falou): afinal, qual é a carta que Pazolini tem na manga contra Casagrande? “E o que eu estou dizendo eu tenho como provar”, antecipou ele, no discurso. Ficamos, então, a esperar.

O teor da acusação foi tão grave e a experiência jurídica do prefeito (inclusive, como delegado) é tamanha que era impossível crer que ele não tivesse absolutamente nenhum elemento concreto sobre as alegadas fraudes licitatórias e que tudo não asse de um blefe. É muito difícil crer que ele faria um movimento de tamanho impacto sem guardar, efetivamente, alguma carta muito forte na manga. Não daria um salto como esse sem estar muito bem calçado”, ponderei aqui sobre o episódio, no dia 15 de maio.

Mas, por parte dele, jamais vieram as tão aguardadas explicações e o detalhamento da denúncia. 

Esperava-se, então, que Pazolini o fizesse nos autos do processo. Mas isso também não aconteceu, como indicam as palavras de Carlos Frederico Santos. Ficou o dito pelo não dito. Só que o “dito”, nesse caso, foi muito grave… e, ao menos assim me parece, ou deveria ter sido provado ou não poderia ter sido dito daquela maneira. 

A gravidade de uma acusação como essa, ainda mais como foi realizada, é proporcional aos danos políticos (perda de popularidade e de apoio eleitoral) e morais (reputação abalada) que pode causar à parte acusada sem provas. É algo extremamente delicado.

Em 15 de maio, avaliei aqui que, das duas, uma: ou Pazolini realmente tinha uma bomba, guardada para usar na “hora certa” (a eleição se aproximava) contra o maior adversário político, ou então sua acusação acabaria se revelando um estalinho. Mas era difícil, repito, acreditar que ele não tivesse nada, nem bomba nem bombinha. “Pazolini, enfim, não é louco”, escrevi.

Porém maio acabou, veio junho, aram-se as festas juninas, atravessamos o processo eleitoral (com direito a segundo turno), já estamos em plena Copa do Mundo… e nem “bombinha de São João” tivemos. Nem mesmo o rumor de um estalinho, após o muito barulho feito (claro está agora: por nada) naquele fatídico 14 de maio. 

Isso deve ensejar reflexões.

“Cabe ressaltar que, ao analisar processos cujos alvos são pessoas com cargo público – tal como deveria ocorrer em qualquer foro judicial –, é imprescindível que se observe a existência de provas contundentes e robustas, a fim de evitar que as instituições sejam transformadas em instrumentos sujeitos a movimentos e interesses meramente políticos”, escreveu, em nota à imprensa, o advogado de Casagrande, Willer Tomaz de Souza. 

Com o advento das redes sociais, reputações de pessoas públicas são assassinadas com incrível e perturbadora facilidade. E, se o cuidado deveria ser redobrado até por quem compartilha despretensiosamente uma fake news no zap, que dirá para uma autoridade pública, investida de mandato, ao tratar de outra. 

Nas redes sociais, infelizmente, parece que o ônus da prova não é de quem acusa, mas de quem é acusado. Em nosso sistema jurídico, ainda vale a premissa original.  

Triunfo jurídico e trunfo político 

Agora, o triunfo jurídico pode se tornar um trunfo político não só para Casagrande como também para qualquer adversário de Pazolini, presente ou futuro, que queira explorar a situação, buscando associar o prefeito a comportamento inconsequente e descredibilidade no que diz. O movimento mal calculado sofreu um efeito bumerangue, e a pedra atirada agora pode voltar-se contra ele.

Casagrande em maio: “até as últimas consequências”

Desde o início dessa novela, a reação de Casagrande foi marcada por três traços: 

1) Mesmo não citado pelo nome, ele nunca teve dúvida alguma de que o alvo da acusação de Pazolini não era outro senão ele mesmo: “Só tem uma pessoa que atende no Palácio Anchieta: sou eu”, disse em sua primeira entrevista à coluna sobre o episódio, quatro dias depois;

2) Ele sempre se mostrou muito seguro de que o prefeito na verdade não tinha absolutamente nada contra ele; 

3) Imbuído dessa convicção, ele sempre mostrou-se determinado a virar a mesa e recorrer à Justiça para limpar seu nome. 

Em uma reação imediata, a primeira nota do governo, emitida pela Procuradoria Geral do Estado (PGE) ainda no dia 14 de maio, sinalizava uma resposta implacável: se não provasse suas declarações, Pazolini poderia ser processado criminalmente por “ofensa à honra provocada por imputações inverídicas”.

Na já citada entrevista à coluna no dia 18 de maio, o próprio Casagrande declarou que iria até o fim para se defender: “Levarei até as últimas consequências para defender a minha honra e a honra da minha família”.

O governador assegurou que processaria o prefeito se ele não provasse o que falou: “É lógico que processarei. Processarei qualquer um que fizer uma declaração leviana como essa que o prefeito fez, dirigida a mim, dirigida ao governador do Estado, ao Palácio Anchieta”.

Na ocasião, também se disse “entristecido” com o comportamento de Pazolini: “Ele tem que colocar os pés no chão. Tem que se colocar como prefeito da Capital. Ele não é mais deputado. É o prefeito da Capital”. Ainda classificou o pronunciamento do prefeito como um “ato aventureiro”, “leviano” e “irresponsável”.

Agora, segundo a assessoria do governo, Casagrande avalia com seu advogado, de posse da decisão da PGR, se vai mesmo ingressar com uma ação contra Pazolini na Justiça comum por crime contra a honra, pedindo indenização por danos morais.

É algo a se ponderar com muito equilíbrio também, se ainda resta alguma esperança de estabelecimento, pelo menos, de uma boa relação institucional entre os dois governantes nos próximos dois anos. 

Aliás, é o que mais se espera: 

Que os dois líderes consigam manter não apenas um relacionamento pessoal minimamente cordial, mas sobretudo um relacionamento institucional frutífero em benefício de Vitória. Essa contenda jurídica e política não pode prejudicar a cidade e os cidadãos da Capital pelos próximos dois anos.  

Relembre o caso

No dia 14 de maio (um sábado), em discurso realizado durante a inauguração de uma escola municipal no bairro Jardim Camburi, Pazolini declarou ter recebido, de uma “autoridade xis”, proposta explícita de direcionamento de licitação em favor de “determinada empresa” para a realização de obras em Vitória: “A licitação tinha ganhador! A obra tinha que ser executada pela empresa tal!” 

O prefeito teria ouvido a proposta da “autoridade xis” durante uma reunião em local que ele não chegou a explicitar, mas que, pela descrição feita por ele (“em um palácio no centro da cidade, que leva o nome de uma autoridade cristã católica”), só poderia ser o Palácio Anchieta, sede do governo estadual. 

Pazolini não nominou o interlocutor nem precisou a data do diálogo, o qual teria ocorrido “em determinado momento do ano ado” (o primeiro de sua istração). Tampouco especificou de qual empresa se trataria. Disse ainda que, ao ouvir a proposta, bateu na mesa e retirou-se. Por conta disso, concluiu, Vitória não receberia investimentos do governo estadual. 

No mesmo dia, PGE entrou com representação pedindo ao Ministério Público Estadual (MPES) que requeresse ao prefeito os devidos esclarecimentos e o preenchimento das lacunas. A procuradora-geral de Justiça, Luciana de Andrade, deu ao prefeito prazo de cinco dias para enviar as informações complementares, detalhando o teor da acusação. Ele respondeu ao ofício dentro do prazo, mas, segundo a nossa apuração, de forma muito vaga. 

Nesse ínterim, no dia 16 de maio (uma segunda), Pazolini entregou à Superintendência da Polícia Federal no Espírito Santo “documentos contendo informações sobre a possível prática de crimes”, como então informou, em nota, a assessoria da instituição. 

Por conter menção a autoridade com prerrogativa de foro (Casagrande), a Polícia Federal remeteu os documentos à Procuradoria Geral da República, em Brasília, para análise de possível pedido de abertura de inquérito junto ao Superior Tribunal de Justiça (instância na qual governadores são processados e julgados). 

Como não reconheceu elementos nem justa causa para a instauração de procedimento investigatório, o subprocurador-geral da República, Carlos Frederico Santos, arquivou o processo sem propositura de inquérito.

Vitor Vogas

Nascido no Rio de Janeiro e criado no Espírito Santo, Vitor Vogas tem 39 anos. Formado em Comunicação Social pela Ufes (2007), dedicou toda a sua carreira ao jornalismo político e já cobriu várias eleições. Trabalhou na Rede Gazeta de 2008 a 2011 e de 2014 a 2021, como repórter e colunista da editoria de Política do jornal A Gazeta, além de participações como comentarista na rádio CBN Vitória. Desde março de 2022, atua nos veículos da Rede Capixaba: a TV Capixaba, a Rádio BandNews FM e o Portal ES360. E-mail do colunista: [email protected]

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