Coluna Vitor Vogas
Jacqueline Moraes: “Ninguém vai calar uma mulher preta”
“Só tenho a dizer para eles assim: se estão incomodados, abram espaço porque as mulheres estão chegando”
Vítima de um ataque baixo nessa quarta-feira (18) – aliás, mais um dos muitos que tem sofrido ultimamente –, a vice-governadora do Estado, Jacqueline Moraes (PSB), manda um recado em alto e bom som em conversa com a coluna cuja íntegra pode ser lida abaixo: “O meu coração é um chão pisado. […] Ninguém vai calar uma mulher, principalmente uma mulher preta. Nós, mulheres negras, pretas, ou como queiram dizer, somos forjadas na luta. A gente não vai abaixar a cabeça.”
Nessa quarta, um site do Espírito Santo publicou um texto em que se refere à Jacqueline como uma “vira-lata” que “late” para proteger o governador Renato Casagrande (PSB). Para a vice-governadora, que registrou boletim de ocorrência na Delegacia de Crimes Cibernéticos, o ataque não foi somente a ela, mas a todas as mulheres. E a prova maior disso seria a solidariedade que vem recebendo também de homens, mas principalmente de outras mulheres.
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“[A quem apoia esse tipo de agressão], só tenho a dizer para eles assim: se estão incomodados, abram espaço porque as mulheres estão chegando”, avisa Jacqueline.
Lamento por ter que iniciar nossa conversa abordando este assunto, mas é forçoso diante da importância e da repercussão que a história adquiriu. Também lhe peço desculpas por reproduzir termos tão ofensivos, mas é preciso contextualizar. Nessa quarta-feira (18), uma pessoa publicou em um site um texto em que se refere à senhora como uma “vira-lata” que “late” para proteger o governador. Como a senhora se sentiu ao ler essas palavras?
O primeiro choque é a ofensa à minha pessoa, à minha honra como mulher e à minha história de vida. E também eu tinha certeza, dentro de mim, que as mulheres iriam se chocar. E não só as mulheres; homens também. Foi tão agressivo, tão baixo e tão pequeno. Ao colocar a Jacqueline nessa condição, ele não colocou a Jacqueline sozinha, mas todas as mulheres, porque é a primeira vez que uma mulher ocupa este espaço. O meu coração é um chão pisado. Aqui [na Vice-Governadoria], estou de frente para a escola em que minha filha estudou. A minha barraca ficava a 400 metros daqui. Eu já ei por muita coisa e é como se meu coração fosse uma terra pisada. As mulheres sentiram muito. E os homens também.
A senhora então considera que tenha sido um ataque não só à pessoa da vice-governadora e sim a todas as mulheres?
Foi a todas as mulheres. Porque sou a primeira mulher vice-governadora a ocupar um cargo de poder tão alto aqui no Espírito Santo e representar todas as mulheres. Eu coordeno o maior programa da história do Espírito Santo de políticas públicas voltadas para as mulheres, que é o Agenda Mulher, um programa totalmente intersetorial, que envolve todas as secretarias de Estado. Ter um programa chamado Agenda Mulher, para mim, é ter a certeza de que temos um governo que tem compromisso e responsabilidade com essa causa. Cada secretário ou secretária se sentou naquele sofá ali para falar quais políticas públicas para as mulheres seriam desenvolvidas na sua pasta. Já entregamos o Observatório das Mulheres, o Plano de Políticas Públicas para as Mulheres, o Pacto de Enfrentamento à Violência. Quanto à violência que sofri, já tomei todas as providências jurídicas e já registrei um boletim de ocorrência na Delegacia de Crimes Cibernéticos. Mas tenho certeza de que esse site e esse cidadão ataca as mulheres. Por estar no cargo, mas não somente por estar no cargo. Por ser mulher. Então, por isso, senti que todas as mulheres iam sentir a minha dor.
E a senhora tem percebido isso na reação das pessoas, sobretudo das mulheres?
Com certeza. Ontem o dia todo e hoje o dia todo.
Muita solidariedade?
Muita solidariedade. Muita sororidade. Acho que essa é a palavra mais forte. Hoje, inclusive, houve mais uma reação forte, na Secretaria de Estado da Saúde. Eu cheguei lá para uma agenda e fui recebida por muitas mulheres indignadas e querendo me abraçar. As pessoas me pedem um abraço e falam “Força!”.
Aqui também, na Vice-Governadoria?
Na Vice-Governadoria, ontem, quando cheguei para atender a agenda da tarde, tinha uma grande manifestação aqui na frente do prédio, com vozes de mulheres dizendo, e também digo: ninguém vai calar uma mulher, principalmente uma mulher preta. Nós, mulheres negras, pretas, ou como queiram dizer, somos forjadas na luta. A gente não vai abaixar a cabeça. E, se tem uma coisa que me indigna, é a injustiça. Por que eu sofri esse ataque? Porque eu me manifestei. Porque eu disse o que penso. Porque eu me indignei. E por que me indignei? Porque, na sexta-feira, cheguei à escola estadual Gomes Cardim, aqui no Centro, e fui tomada pela emoção. Quando cheguei à escola com o governador para a ordem de serviço de reforma da escola e os alunos nos cercaram e perguntaram assim: “Vai ter a nossa quadra também?”. Em 2019, fizemos uma obra de contenção em torno da escola para que essa escola possa ter uma quadra esportiva. E aí o governador na mesma hora chamou o secretário de Educação [Victor de Angelo] e perguntou: “Victor, o que está faltando para a gente a quadra?” Ele respondeu que falta a Prefeitura de Vitória liberar o licenciamento para a construção. E temos outras escolas na mesma situação. Então, quando você olha para essas crianças, você vê uma injustiça. Aí falei assim: “Todos nós aqui fazemos política todo dia, política de toda natureza. Só que o pior de todo gestor público é viver em eterna política eleitoral. Desce do palanque, prefeito!”
A senhora acha que pode ter se excedido nessa sua manifestação pública e nas redes sociais, nas referências feitas diretamente à pessoa do prefeito, por essa sua indignação?
Na realidade, no evento, eu fiz uma convocação para a liderança que estava lá e para os jovens. A maioria dos jovens que estudam lá são negros. Eles moram aqui nesta parte alta do Centro e precisam dessa escola de ensino médio. Aquela escola me trouxe à memória a minha vida. Vivi vinte anos da minha vida aqui no Centro. De vez em quando eu fugia e ia para a Fafi, para olhar teatro, porque eu tinha vontade. Eu olhava as escolas de longe, porque meu pai queria que a gente trabalhasse. Aqui do Palácio da Fonte Grande você consegue ver uma creche chamada Menino Jesus. A minha filha entrou com seis meses e saiu com seis anos dessa creche. Eu voltei a estudar aqui, no Centro de Educação de Jovens e Adultos, na ladeira do São Bento, na mesma ladeira que se sobe para aquela escola. Então eu sou fruto de políticas públicas e de educação pública de qualidade. E ver a cena que eu vi me indignou, e eu falei diretamente aos alunos, meio que os convocando para se indignarem. Só que aí depois, no dia seguinte, eu vi o vídeo do prefeito fazendo acusações, que para mim são levianas, contra um Palácio X, que tem o nome de um santo, e um líder X. E, naquele momento que eu assisto o vídeo, realmente me dá aquela ira, pois senti que talvez fosse uma resposta à minha convocação. E aí, naquela indignação, escrevi, e escrevi para ele.
A senhora enfatizou a luta das mulheres e, de modo ainda mais específico, a luta das mulheres negras. E não foi a primeira vez que a senhora sofreu esse tipo de ataque. Na verdade, a senhora tem sido alvo constante de agressões por parte de opositores do governo. Eles têm se concentrado muito na senhora. A que a senhora atribui essa estratégia de escolherem a senhora como alvo preferencial?
Eu tenho sido alvo, primeiro, porque me posiciono. Acho que todo mundo que se posiciona vai ser alvo, porque você tem que ter lado na vida. Eu não gosto dessa coisa meio morna, meio em cima do muro. Tenho posicionamento político claro. Segundo, porque eu sou uma mulher que foi escolhida, que todo mundo olhava assim… Lá atrás, quando o governador me escolheu, os ataques eram: “O governador não pode pegar uma gripe, senão coitado do Estado…”; “Onde o governador arrumou essa neguinha para ser vice-governadora? Coitado do Espírito Santo!”. Os ataques eram esses, nas redes sociais. A gente rompeu esse momento. E eu provei para as pessoas a minha competência – e acho que nós mulheres vivemos provando algumas coisas. Eu posso assumir qualquer coisa. Já assumi este governo três vezes durante as licenças do governador. E, toda vez que eu assumo, as pessoas questionam o quê? A minha competência. Então isso não é um ataque à Jacqueline. É um ataque à mulher. Será que essa mulher tem competência para fazer aquilo? Será que essa mulher tem competência para gerir essa grande empresa? E ela tem que fazer muitas vezes e melhor para provar que ela tem. Então acho que é nesse sentido.
Para além de um questionamento sobre a sua competência política e istrativa, a senhora também identifica nessas críticas um corte de gênero e de raça? Traduzindo: qualquer pessoa que lhe faça um ataque pessoal talvez pensasse duas vezes antes de fazer esse ataque ou usasse palavras menos agressivas se a senhora não fosse mulher e se não se tratasse de uma pessoa negra? Será que o mesmo se daria se o vice fosse um homem branco, como Renato, Lelo, Ricardo, Givaldo, César?
Eu nunca vi atacarem o vice-governador do Estado do Espírito Santo como eu vejo me atacarem. Nós só tivemos homem antes de mim. Quando eu olho hoje, eu não tinha um espelho também. Eu sou a primeira. E ser a primeira é se colocar como espelho das próximas que virão. E eu quis vir para cá com toda a minha verdade. Sou uma pessoa de posicionamento. Minhas defesas ideológicas são em favor da justiça, da política transparente, com clareza, sem essa famosa “articulação” e tal. Não tem muita articulação não, gente! O que eu faço eu faço, eu falo, eu vou, eu assino… O governador não pode ir, eu represento. E, quando não tem representação, eu coordeno o programa. Eu não precisei de uma pasta. A maioria dos vices que aram aqui, para terem uma visibilidade, assumiram grandes secretarias, coordenaram grandes programas com grandes pacotes financeiros. No Agenda Mulher, temos entregas no Estado inteiro e você não vê um custo de recursos, porque as ações estão espalhadas por cada secretaria.
Temos visto infelizmente algumas reações, inclusive por parte de alguns políticos, favoráveis não à vítima, que no caso é a senhora, mas ao autor da agressão, concordando, apoiando etc. Vou repetir: a senhora foi chamada de “vira-lata”. O que a senhora tem a dizer às pessoas que apoiam o ataque e também àquelas que dizem que sua reação não a de um “discurso vitimista”?
Todas as vezes em que as mulheres atuarem de forma a defender o território novo que elas estão conquistando, haverá reações. A política brasileira não foi escrita pelas mulheres. Somente em 1932 conquistamos o direito de votar e de ser votada. Faz somente 90 anos que estamos escrevendo uma nova forma de fazer política. E a nova forma não é igual à dos homens. Não é melhor nem pior, é diferente. E, por ser diferente, incomoda muita gente. Então, só tenho a dizer para eles assim: se estão incomodados, abram espaço porque as mulheres estão chegando.
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