Coluna Vitor Vogas
Declarações de Meneguelli complicam sua candidatura ao Senado
Entrevista do ex-prefeito de Colatina à coluna repercutiu muito mal entre dirigentes do Republicanos. Devanir Ferreira vocaliza a reação contrária: “Não queremos outro Contarato”. Erick Musso já aparece publicamente ao lado de outro postulante ao Senado (este, sim, evangélico)

Estão querendo derrubar Meneguelli do skate. Foto: Facebook de Sérgio Meneguelli
Quem entra no site oficial do Republicanos lê, em destaque: “Somos conservadores nos costumes”. Na apresentação do partido: “O Republicanos é um movimento político conservador, fundamentado nos valores cristãos, tendo a família como alicerce da sociedade […]”. No manifesto: “Nossa postura é fundamentada nos valores cristãos”. Na descrição da “missão”: “O Republicanos existe para vocalizar os valores do conservadorismo de costumes”.
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Mas quem leu a entrevista de Sérgio Meneguelli (Republicanos), publicada aqui no último domingo (12), viu esta declaração dele em destaque: “Não tenho nada de conservador”.
Isso resume o tamanho do paradoxo, do descomo entre Meneguelli e seu partido e do problema que o ex-prefeito de Colatina arrumou para si mesmo, ao optar por tamanha franqueza em suas declarações. Basicamente, no conjunto, a entrevista não deixou de pé nenhuma dúvida de que ele é pré-candidato ao Senado por um partido cujo ideário não se coaduna – ao contrário, se choca – com o dele mesmo.
Em cerca de 50 minutos de conversa, o ex-vereador e ex-prefeito afirmou que, de conservador, não tem nada; depois, atenuando (mas nem tanto) a própria declaração, classificou-se como um “conservador super liberal”. Em geral, posicionou-se de maneira liberal em matéria de costumes. Declarou-se a favor do reconhecimento de direitos civis a casais homoafetivos. Mostrou-se aberto a debater a descriminalização da maconha, dependendo da forma (aliás, disse achar que já estava legalizada no país).
Ainda anunciou enfaticamente que não pertencerá à bancada evangélica no Congresso. Indo além, criticou a própria existência de uma bancada evangélica, o ex-prefeito do Rio Marcelo Crivella e o grande número de igrejas de denominação cristã no país (segundo ele, isso “divide o cristianismo”).
Desde a publicação da entrevista, tentamos sem sucesso repercutir a entrevista de Meneguelli com o presidente estadual do Republicanos, Roberto Carneiro, e com o presidente da Assembleia Legislativa, Erick Musso, pré-candidato do partido ao Palácio Anchieta e autor do convite para o então prefeito de Colatina filiar-se ao Republicanos, em março de 2020. Mas conseguimos apurar que, dentro dos círculos do partido, a entrevista do “conservador super liberal” caiu como uma bomba progressista, pegando de surpresa militantes e dirigentes locais e ricocheteando até em Brasília, na cúpula nacional da legenda.
Aqui cabe lembrar que o Republicanos (antigo PRB) não é apenas o partido que se autoproclama “o mais conservador do Brasil”; é, antes de tudo, um partido de inspiração evangélica, característica que está na sua essência desde as suas origens, profundamente enraizadas nos templos e púlpitos da Igreja Universal do Reino de Deus. Não seria exagero considerá-lo o braço político dessa denominação religiosa neopentecostal. Assim, não é de irar que a entrevista tenha sido mal recebida pelos dirigentes e/ou pastores locais (às vezes eles se confundem) e causado desconforto entre eles.
De fato foi o que ocorreu
Dentro do Republicanos, as declarações repercutiram muito mal, geraram reações negativas e telefonemas entre os líderes do partido, que buscavam entender o que tinha ocorrido, como proceder daqui para a frente, o que fazer em relação a Meneguelli e as possíveis consequências para sua pré-candidatura ao Senado. Mais que ligações: Roberto Carneiro teve que viajar às pressas a Brasília para tratar da situação pessoalmente com dirigentes nacionais da sigla. Ontem (13), não estava em Vitória. Chegou nesta terça-feira (14).
Reservadamente, houve quem opinasse que, se o festival de sincericídios de Meneguelli não chegam a inviabilizar sua candidatura, também não ajudam em nada a consolidar internamente sua candidatura, num momento em que ela é alvo de especulações sobre uma possível “puxada de tapete”.
Os dirigentes estaduais podem até ser mais pragmáticos, limitar-se a chamar Meneguelli para uma conversa de alinhamento e buscar contemporizar com o pré-candidato potencialmente bom de votos, apesar de todas as diferenças de mentalidade política.
Mas, da parte da cúpula nacional, a avaliação tende a ser outra… E é bom lembrar que, em última instância, o projeto eleitoral de Meneguelli está nas mãos da direção nacional; ou, mais precisamente, do presidente nacional da legenda, o advogado e deputado federal Marcos Pereira, linharense radicado em São Paulo: é ele quem dá a palavra final sobre as candidaturas do Republicanos no Brasil inteiro.
Para Marcos Pereira e companhia, pode ser difícil ignorar tamanho desencontro com as ideias conservadoras do partido. Se os posicionamentos de Meneguelli, expressos com tamanha veemência, baterem lá em cima (e bateram), se chegarem ao conhecimento da direção nacional (e chegaram), pode ser que esta se veja impelida a reavaliar a manutenção da candidatura dele, por maior que seja o seu potencial nas urnas.
E nunca é demais lembrar: o que partidos em geral priorizam mesmo, em especial os do Centrão, é a eleição de deputados federais, o que lhes garante maior cota no rateio das verbas públicas para custear os partidos e as campanhas, além de mais segundos valiosos na propaganda eleitoral gratuita em emissoras de rádio e TV (concessões públicas). Hoje, para se ter uma ideia, o Republicanos tem um mísero senador, mas, com 43 deputados federais, ostenta a 6ª maior bancada da Câmara. Elegeu 30 em 2018, mas cresceu na última janela partidária.
Por ora, sem entrarmos no mérito de seus pontos de vista nem questionar sua densidade eleitoral, fica a certeza de que Meneguelli, na pele de candidato do Republicanos, é como as peças dos trajes dos participantes da Festa do Cafona, uma tradição de sua amada Colatina que sempre teve nele um dos grandes entusiastas: alguma coisa ali não combina.
Devanir: “Não queremos outro Contarato”
Número 2 na hierarquia estadual, o secretário-geral do Republicanos Devanir Ferreira, vocaliza o mal-estar gerado no partido pelos posicionamentos de Meneguelli. “Uma repercussão muito negativa. O partido é conservador. Eu queria perguntar a ele: em qual mundo ele estava quando assinou a ficha de filiação? Ele não leu o estatuto? Não leu o manifesto do partido? Com que autonomia ele critica os evangélicos?”, questiona o dirigente partidário.
Devanir já presidiu o Republicanos no Espírito Santo. Foi vereador de Vitória de 2013 a 2016 e, desde 2021, é vereador de Vila Velha. Também é pastor da Igreja Universal do Reino de Deus, atualmente licenciado, devido ao exercício do mandato. Ele prossegue:
“Sérgio Meneguelli nunca nos representou. Tenho conversado com minha base, com minha igreja, com pastores que repudiam com veemência as falas de alguém que não nos representa nem na fila do pão. No domingo mesmo, por telefone, manifestei ao Roberto [Carneiro] e ao Erick Musso a minha indignação e o meu repúdio a essas falas. Eles ficaram surpresos com o posicionamento do Meneguelli. Isso nunca foi esperado da parte dele. O partido não mudou seu posicionamento após ele se filiar. É ele quem está mudando o posicionamento após estar filiado. E nós já assistimos a isso uma vez, com o [Fabiano] Contarato. Não queremos outro Contarato.”
O vereador, pastor e secretário-geral da sigla diz esperar providências por parte da direção estadual: “A Executiva Estadual do partido deve se reunir para tomar medidas, sim. Estou aguardando quais medidas serão tomadas. Ele não terá meu voto na urna e não terá o meu voto como secretário-geral, naquilo que depender de mim. Não respondo pelo presidente estadual, mas Roberto é conservador, evangélico e cristão. Ele vai seguir o posicionamento e o manifesto do partido. Quanto à direção nacional, deve perguntar ao Serginho o que houve para, no meio do caminho, ele mudar de posicionamento”, antecipa.
Erick com Nelson Junior
Sim, coincidências existem, de vez em quando ocorrem, mas o signatário da coluna aprendeu há muito tempo a duvidar inteiramente delas quando se trata de movimentos político-eleitorais. Nesta segunda-feira (13), um dia após a publicação da entrevista de Meneguelli, Erick Musso apareceu em duas (isso mesmo: duas) agendas públicas ao lado de outro pré-candidato ao Senado: o pastor, escritor e palestrante Nelson Junior (este, sim, um “conservador por inteiro”), que busca viabilizar candidatura ao Senado pelo Avante. Ele é o idealizador do movimento “Eu Escolhi Esperar”.
A priori, o Avante faz parte da base que vai apoiar a reeleição de Renato Casagrande (PSB). A meta inicial dos estrategistas de Nelson é emplacar o nome dele como candidato do atual governador ao Senado. Mas, como já analisamos aqui, isso será muito difícil na coalizão governista, pois esta já está congestionada de outros pré-candidatos ao Senado querendo a mesma vaga.
O primeiro encontro de Erick com Nelson Junior nesta segunda foi na Prefeitura de Vitória, ao lado do prefeito Lorenzo Pazolini (seu aliado no Republicanos) e do presidente da Câmara de Vitória, Davi Esmael (PSD), durante o ato de de uma lei (outra não coincidência) que agrada muito ao segmento evangélico: o que isenta da cobrança de IPTU templos religiosos que funcionem em imóveis alugados na Capital.

Nelson Junior ao lado de Erick Musso em culto da Igreja Maranata. Foto: Instagram de Nelson Junior
À noite, Erick e Nelson Junior posaram novamente lado a lado, dessa vez durante um culto da Igreja Maranata – segundo o segundo, com mais de 2 mil jovens.
Em templo (sim, com trocadilho): tudo isso foi postado pelos próprios Erick e Nelson por meio de stories em suas contas no Instagram.
PP na alça de mira
Se a pré-candidatura de Meneguelli for mesmo chutada para escanteio, outro partido que entra na alça de mira do Republicanos no Espírito Santo é o Progressistas (PP). Os dois estão juntos no plano nacional, na base congressual de Bolsonaro e no apoio à reeleição do atual presidente. Mas, no Espírito Santo, o PP está ao lado de Casagrande.
Ocorre que o PP faz questão de ter candidato a vice-governador ou a senador na coalizão de Casagrande (o que o governador não necessariamente poderá cumprir). Nesse caso, sem Meneguelli na chapa, o Republicanos poderá oferecer uma janela de oportunidade ao PP.
“Sem polêmica”?!?
No dia 27 de março de 2020, o jornalista Leonel Ximenes, colunista do jornal A Gazeta, publicou a informação de que Meneguelli se filiara ao Republicanos. Falando ao colega, o então prefeito disse que recebera convites de várias siglas (“menos do PT e do Psol”). E justificou assim a sua escolha: “Optei pelo Republicanos porque é um partido neutro em Colatina. Não queria um partido polêmico”.
Não é possível…
Visivelmente, ao longo destes últimos dois anos e pouco, nenhuma das partes envolvidas (Meneguelli e dirigentes partidários) se preocuparam ou se importaram de verdade em fazer um “cara-crachá” básico. Meneguelli não “mudou após ter se filiado”. Quem o conhece minimamente (e lá se vão mais de 20 anos na vida pública) sabe que ele é exatamente como se mostrou na entrevista, sem filtros (um grande liberal nos costumes), e que pensa exatamente do jeito que expressou na conversa com a coluna.
Do mesmo modo, o Republicanos, nascido da igreja, sempre foi como é, defendendo ideias antiliberais na agenda comportamental. Então…
Para reflexão
Também se lê na apresentação do Manifesto do Republicanos: “O conservador clássico, ao contrário do que alguns imaginam, não é um radical. É antes um agente moderador, defensor do equilíbrio, do bom senso, e tem sua conduta pública e privada bem distante dos extremos. Obviamente que não abrimos mão daquilo que acreditamos, mas sabemos conviver muito bem com o contraditório e com quem pensa diferente de nós”.
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