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Quem despreza os números do coronavírus

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Na madrugada do dia 1º de junho de 2009, um  Airbus 330 desapareceu nas águas do Oceano Atlântico. Fazia a rota Rio-Paris. Total de mortes: 228. Foi um choque, como chocantes sempre são os acidentes aéreos. Desde a eclosão do coronavírus, no início do ano na China, morreram 51 mil pessoas. É como se 223 Airbus tivessem caído em três meses. Mas o choque revelado pelas pessoas parece ser desproporcional ao tamanho do desastre humanitário ocorrido nestes tempos tristes.

Talvez seja uma característica do ser humano, relacionada ao anseio dos tempos atuais, de sempre esperar por um fato, uma novidade sempre inédita, espetacular, capaz de nos deixar estupefatos. A primeira morte ocorrida no país causou tensão. Vieram a segunda, terceira, quarta, quinta, chegamos a 300 ontem, mas esta notícia parece já não atrair tanta atenção. Quando a Itália anunciou espantosos 483 mortos em 24 horas, houve um espanto geral. Na quarta-feira (dia 1º), os Estados Unidos divulgaram 884 mortos em um dia. A reação foi bem menor.

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Deve haver alguma explicação psicológica para isso. Em termos de informação, de comunicação, isso tem a ver com a tal necessidade do ineditismo. Mas a questão pessoal imposta é: quando a pandemia vai provocar em todos nós o choque capaz de nos dar a real dimensão do problema? Muitos ainda se limitam às queixas por conta do incômodo causado pelo isolamento social. Outros se engalfinham nas discussões políticas, para defender a manutenção das medidas atuais ou pedir a liberações dos contatos entre as pessoas para garantir um certo futuro econômico, mesmo sabendo das incertezas existentes a respeito desse futuro antes do surgimento do vírus.

Existe, lógico, uma parcela da população formada por quem tem visão solidária dos fatos. São aqueles capazes de pensar na dor do outro, nas dores dos outros. E há, principalmente, quem se importa porque se vê ameaçado pelo vírus ou teve algum pessoa próxima tocada por ele ou, pior, levada por ele.

De certa forma são exceção. Porque, no caso do Espírito Santo, só para ficarmos em um exemplo, quase metade da população não respeita o pedido de isolamento, segundo números levantados pelo site ES360. Não se sabe se por desinformação, se por deformação política ou por egoísmo puro e simples, ignoram solenemente a necessidade de se proteger e, assim, proteger outras pessoas. Estes não se inquietarão nem quando o número de mortos diários no país atingir a casa das centenas, algo infelizmente próximo de acontecer. Estão acostumados com os números e desafiam a tragédia. Só terão noção do seu tamanho incomensurável quando ele se apresentar da forma mais dramática e triste, ao tocar um parente ou amigo querido. Aí já terá sido tarde demais para prestar atenção nas estatísticas. E no número de “aviões derrubados” pelo mais assustador vírus das últimas décadas…

Antonio Carlos Leite

Antonio Carlos tem 32 anos de jornalismo. E um tempo bem maior no acompanhamento das notícias. Já viu muitos acontecimentos espantosos. Mas sempre se sente surpreendido por novos fatos, porque o inesperado é a maior qualidade das coberturas jornalísticas. E também da vida...

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