Coluna Vitor Vogas
Opinião: Capitão Assumção será solto, mas deveria aprender uma lição
Não é de hoje que o deputado viola sistematicamente as normas mais elementares de civilidade, respeito e decoro parlamentar no tratamento aos adversários

Assumção finge retirar a tornozeleira eletrônica em plenário
O Capitão Assumção será livrado da prisão nesta quarta-feira (6) pelos colegas na Assembleia Legislativa. Mas a situação-limite a que chegou o deputado, nestes dias ados por ele atrás das grades do quartel, enseja a todos nós, espectadores da política capixaba, algumas necessárias reflexões; e, ao próprio deputado, deveria servir como lição imprescindível e inadiável (a qual, aposto, ele vai ignorar). Mas fica aqui a nossa reflexão.
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Não é de hoje que o deputado radical do PL faz das redes sociais e da sagrada tribuna da Assembleia o seu bunker de guerra política para violar sistematicamente as normas mais elementares do respeito e do decoro parlamentar no tratamento dispensado a adversários.
Agindo como se estivesse acima do bem e do mal e como se nenhum limite moral ou legal pudesse se aplicar a ele (a todos, menos a ele), Assumção a ao largo das regras essenciais não só para o exercício da atividade política, mas para qualquer possibilidade de existência em sociedade. Respeito ao outro, mesmo na divergência (ou principalmente neste caso), éregra básica de toda civilização humana. Fora disso, caímos na barbárie. E Assumção, de fato, flerta constantemente com ela.
Desde que chegou à Assembleia, em 2019, o capitão da reserva da PMES deixa no chão as normas básicas de civilidade sempre que sobe à tribuna para atacar adversários no Espírito Santo e alhures, fazendo da agressão verbal o seu padrão de conduta e naturalizando um modo de fazer política que é completamente inaceitável – e que, a bem da verdade, deveria ser repelido por seus colegas na Assembleia, em vez de ignorado ou até aplaudido por alguns pares. Fazendo vista grossa a esse modo dele de fazer política, veja aonde o deixaram chegar.
Na onda golpista de Jair Bolsonaro, Assumção atacou aberta e sistematicamente instituições basilares do Estado Democrático de Direito, notadamente o STF.
Agredindo diretamente o Supremo e ecoando vozes que clamavam por um golpe de Estado, fez troça da Constituição Federal de 1988 que é o pilar da nossa democracia, assim advogando contra o próprio regime democrático. Ironicamente, é a mesma Constituição e é o mesmo Estado de Direito que ele e seus seguidores agora acusam Alexandre de Moraes de transgredir. Para Assumção, o conceito de “democracia” confunde-se com “liberdade para se dizer e fazer o que se quiser”, inclusive defender golpe de Estado, ignorando os limites impostos pela própria democracia com vistas à sua autopreservação.
Assumção literalmente gargalhou com desdém das cenas de depredação às sedes dos Três Poderes no dia 8 de janeiro de 2023. Antes disso, escarneceu do sistema judiciário, do Supremo, da pessoa de Moraes e, especificamente, das cautelares impostas pelo ministro contra ele em dezembro de 2022 exatamente para não o prender, como última medida alternativa à privação de liberdade.
Mas Assumção se esforçou muito para isso. Seguiu agindo como se não quisesse deixar escolha ao ministro. Possivelmente nenhum outro político investido de mandato no país inteiro tenha desafiado a esse ponto a autoridade de Moraes, as ordens judiciais do ministro e, portanto, a Justiça brasileira.
Como reza um surrado ditado repetido por todo político brasileiro, “decisão da Justiça se cumpre”. Está na essência do nosso pacto civilizatório, do nosso contrato social tacitamente assinado por todos para podermos viver em coletividade sob as balizas de um regime democrático. “Todo político brasileiro”, não. Quase todo.
Por determinação de Moraes, no dia 15 de dezembro, Assumção ou a ser monitorado por meio de tornozeleira eletrônica. Também precisou entregar seu aporte e ficou impedido de usar redes sociais, dar entrevistas, sair do território capixaba e participar de qualquer manifestação pública.
Na sessão plenária seguinte, o que estava ele a fazer? Da tribuna da Assembleia, fez questão de exibir a tornozeleira como um “troféu”, uma “medalha de honra” (palavras dele), e disse que a chefe do MPES foi “fazer fofoca ao STF”.
Nos dias seguintes, dia sim, o outro também, ignorando solenemente a proibição de usar redes sociais, postou vídeos em sua própria conta oficial no TikTok e repostados por terceiros na plataforma Kwai. Ainda mais abusado, no dia 8 de janeiro de 2023, postou o vídeo gargalhando debochadamente dos atos de vandalismo e tripudiou do STF, que naquele exato momento tinha a sede barbarizada pelos ditos “patriotas”: “Supremo é o povo, né? Rs”.
Nove dias depois, em 17 de janeiro, certamente perplexa com a indomabilidade de Assumção, com seu grau de desobediência e insubmissão à Justiça, a procuradora-geral de Justiça, Luciana Andrade, representou novamente contra ele a Moraes, pedindo dessa vez a decretação da sua prisão. Por esse ponto de vista, era preciso dar um basta ao deputado que afrontava decisões judiciais a tal ponto e com esse nível de deboche.
Depois disso – frise-se: após o pedido de prisão formulado pela chefe do MPES –, em fevereiro de 2023, o deputado ainda protagonizou uma das cenas mais vexatórias de que se tem notícia na recente história da Assembleia, um momento que deveria envergonhar a todos os deputados, pois apequenou o Poder Legislativo Estadual equiparando-o a um circo, maculou a tribuna da Assembleia e conspurcou o plenário transformado em palco da ridícula encenação.
No cúmulo da afronta à Justiça, no supremo desafio ao Supremo, Assumção simplesmente simulou, por gestos e palavras, retirar diante de todos os olhos incrédulos a tornozeleira eletrônica que levava havia cerca de dois meses. Foi o que ele deu a entender e foi o que todo mundo acreditou num primeiro momento (e muita gente deve acreditar até hoje).
Depois se descobriria que o máximo que ele retirou foi a bateria ou alguma peça do dispositivo que não impede o seu funcionamento, como tratou de esclarecer a Secretaria de Estado da Justiça (Sejus). Tudo não ara de uma grande farsa, no sentido político e teatral da palavra, um grande protesto fake, uma grande, perdoem o termo, palhaçada. Naquele momento o plenário virou circo. Foi tornado por ele em picadeiro.
E vejam bem, até aqui só mencionamos os ataques e os problemas de Assumção relacionados ao MPES e ao STF. Mas vai muito além a lista de demonstrações de incivilidade de um deputado que parece infatigável em faltar com o respeito a adversários e com o decoro parlamentar.
Como regra, Assumção adota na tribuna um linguajar de mesa de boteco ou discussão de torcidas de futebol, referindo-se a oponentes por termos depreciativos, como se ofender alguém em plenário fosse a coisa mais normal do mundo.
No começo, o insulto como regra incomodava. Mas, como se trata dele e é esse o seu padrão de conduta, tal comportamento em plenário foi sendo “naturalizado”, como se pudesse ser tolerado em um espaço parlamentar que deveria zelar pelo alto nível dos debates.
Com o tempo caiu na rotina e ou a fazer parte do cotidiano da Assembleia, banalizando-se ao ponto de hoje o deputado ser tratado como sinônimo de “respeito” e “urbanidade” – como escreveu, incrivelmente, o presidente da Assembleia Legislativa, Marcelo Santos (Podemos), em sua primeira nota pública logo após Assumção ter sido preso pela Polícia Federal.
Ninguém que preside as sessões censura Assumção pelos óbvios excessos. Erick Musso não o fazia. Marcelo também faz vista grossa. E assim ele segue procedendo, sob o manto da imunidade parlamentar.
Integrantes do governo Casagrande, começando pelo próprio governador, são “vagabundos”, “canalhas” etc. Lula é o “nove dedos”, o “ex-presidiário” (o que também se aplicaria a ele). Luciana Andrade é “fazedora de fofoca”. Nésio Fernandes era o “médico cubano” e daí para pior. Quem participa de movimentos sociais é de “vagabundo” para muito pior. Pazolini, ultimamente, é um “moleque”.
Desde que chegou à Assembleia, em fevereiro de 2019, Assumção já ofereceu uma recompensa de R$ 10 mil para quem lhe entregasse o cadáver de um suspeito de assassinato. Respondeu por isso a processo na Corregedoria da Casa, o qual não deu em nada.
Em sessões online durante a pandemia, o capitão as reserva da PMES exibiu a bandeira de um grupo neonazista ucraniano, apareceu na tela ostentando uma arma branca e envolveu-se em uma briga com o então deputado Enivaldo dos Anjos na qual um prometeu surrar o outro.
Nas redes sociais, a lista também vai longe… Assumção já chegou ao cúmulo de usar a própria filha, uma criança, para fazer propaganda armamentista, publicando uma foto da menina a empunhar uma pistola, em flagrante violação do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Já defendeu explicitamente o AI-5, instrumento baixado em dezembro de 1968 pela ditadura militar escancarando a repressão, a tortura, a censura e a violência de Estado no país (mas ele não defende a “verdadeira democracia”?!?).
Conclusão
Poderíamos ficar aqui até amanhã debatendo se, na petição original, os motivos alegados pelo MPES para pedir as cautelares contra Assumção (ataques ao STF etc.), concedidas por Moraes em dezembro de 2022, de fato eram suficientes para justificar a adoção dessas medidas (tornozeleira eletrônica etc.) ou se houve abuso de poder por parte do ministro.
Podemos discutir até amanhã se o ministro exagerou na dosagem ou se fez bem em punir os ataques de Assumção ao STF e ao Estado de Direito, se o deputado nada mais fez que exercer suas prerrogativas parlamentares, se só fez expressar suas opiniões dentro dos limites constitucionais, protegido pelo manto da imunidade parlamentar, ou se o famigerado artigo 53 da Carta Magna não pode servir de pretexto para encobrir qualquer tipo de conduta nem liberdade de expressão pode ser confundida com liberdade ilimitada para a prática reiterada de crimes. Esse foi, afinal, o começo de tudo.
Mas o fato é que Moraes assim decidiu: em dezembro de 2022, determinou as medidas cautelares contra Assumção.
A partir daí, Assumção descumpriu as cautelares impostas pelo ministro? Sem dúvida alguma, descumpriu.
Isso é motivo suficiente para a decretação da ordem de prisão?
Essa é uma outra discussão.
Fato é que, na opinião deste colunista, não é de hoje que Assumção vem extrapolando, e muito, os limites do respeito e do decoro.
Então talvez não fosse o caso de Moraes ter decretado medidas cautelares contra ele. E talvez a ordem de prisão tenha sido um exagero do ministro. Mas não nos esqueçamos do personagem de que estamos falando. O fato de Assumção eventualmente ter sido “vítima de um excesso” não invalida o fato de que o deputado é incansável em protagonizar cenas de falta de decoro, desrespeito e incivilidade no plenário e nas redes sociais.
Não é de hoje, repito, que Assumção quebra obstinadamente o decoro parlamentar na Assembleia, com um empenho e uma assiduidade que chegam a ser tocantes. Processos e condenações por quebra de decoro, ele já podia ter sofrido aos montes, não fossem a vista grossa e a conivência dos mesmos colegas que hoje o livrarão da prisão.
Em tempo
Justiça lhe seja feita, Assumção é certamente muito cordial no trato diário com os colegas de plenário, até com os da bancada de esquerda, e com os profissionais de imprensa. A questão toda é quando ele se ergue na tribuna e nas redes sociais contra oponentes. Aí se transforma em outro personagem político.
