Coluna Vitor Vogas
Dividir para conquistar: poderes redistribuídos no Podemos do ES
Em uma nova organização de forças mediada pela cúpula nacional, Gilson Daniel cede espaço, enquanto Ramalho, Marcelo e Linhalis terão maior influência

No sentido da leitura: Victor Linhalis, Gilson Daniel, Marcelo Santos e Alexandre Ramalho
É como diz o ditado: dividir para conquistar. Ou, neste caso, dividir para crescer e multiplicar. Antigo Partido Trabalhista Nacional (PTN), o Podemos era uma sigla nanica no Espírito Santo até alguns anos atrás. Sob a direção de Gilson Daniel desde 2017, o partido cresceu muito no Estado, acumulando excelentes resultados nas eleições municipais de 2020 e nas estaduais de 2022.
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Agora, o Podemos parece ter ficado grande demais para caber somente nas mãos de Gilson. Após intensas pressões dos outros medalhões do partido no Espírito Santo (Victor Linhalis, Arnaldinho Borgo, Marcelo Santos e Alexandre Ramalho), o partido está prestes a iniciar um processo de redistribuição de forças políticas e descentralização do comando estadual.
A proposta é desconcentrar o poder decisório de Gilson para distribuí-lo de maneira igualitária entre os principais líderes locais, com decisões compartilhadas a partir da constituição de um “conselho de governança” nos moldes do que o Podemos já pratica em estados maiores – uma espécie de “conselhão”, a ser formado por Gilson, Linhalis, Marcelo e Ramalho.
Na prática, pressionado por cima e por baixo, Gilson aceita ceder espaço e dividir poderes. Numa análise imediatista, sai perdendo. Mas também pode se beneficiar no médio prazo, se, nesse novo formato, o partido crescer ainda mais nas eleições do ano que vem, fortalecendo-o para o pleito seguinte, em 2026.
A construção do novo arranjo foi mediada pessoalmente pela presidente nacional do Podemos, Renata Abreu, que precisou intervir – até para conter a ameaça de desfiliação de Linhalis e, principalmente, de Marcelo Santos.
Nos últimos tempos, eminências do Podemos capixaba levaram a ela, em Brasília, reclamações relacionadas ao estilo de liderança praticado por Gilson Daniel, tratado pelos colegas/concorrentes internos como “centralizador”, na versão mais branda, e “dono do partido”, na menos suave.
A procissão ao gabinete da deputada federal paulista foi engrossada recentemente por Arnaldinho, Linhalis e Marcelo. “Como a experiência de Gilson sempre foi no Executivo, ele age mais como chefe do que como líder. Até escuta todo mundo, mas no final é só ele quem decide”, descreve um dos queixosos, sob anonimato.
Renata Abreu, então, interveio, propondo a aludida reorganização de forças, baseada em três pilares: formação do conselho de governança com presidência rotativa; decisões estratégicas compartilhadas entre os membros do conselho; divisão equilibrada dos territórios políticos capixabas. Chamo a atenção para a palavra “territórios”. Não é mera força de expressão.
Pense nas potências europeias dividindo entre si os territórios africanos em 1885, com um mapa do continente aberto, durante a Conferência de Berlim (marco histórico do imperialismo). Troque o mapa da África pelo do Espírito Santo, e as potências europeias por Gilson Daniel e Victor Linhalis. Foi mais ou menos o que os dois deputados federais do Podemos fizeram no último dia 20, sob a arbitragem de Renata Abreu, no gabinete da liderança do partido na Câmara dos Deputados.
Os dois literalmente dividiram entre si os municípios capixabas que ficarão sob influência de um ou do outro a partir de agora, abrindo espaço também para Marcelo e Ramalho nessa partilha territorial. Cada qual terá a prerrogativa de influir nos rumos do Podemos nas cidades sob seu controle, com autonomia total para escolher e nomear os respectivos dirigentes municipais.
Nessa negociação, a divisão dos maiores municípios ficou assim:
Na Região Metropolitana, Vila Velha ficou com Linhalis – e, por extensão, com Arnaldinho. Vitória foi entregue a Ramalho. Cariacica foi cedida a Marcelo. Gilson terá controle sobre a Serra e a sua Viana, cidade governada por ele de 2013 a 2020 e cujo atual prefeito, Wanderson Bueno, é cria política dele.
Já nos municípios do interior, a partilha se deu entre os dois federais do Podemos, e o critério de divisão foi o seguinte: cada um deles poderá controlar o partido nos municípios onde foi mais votado que o outro na eleição para deputado federal. Gilson ficará com a maioria das cidades, mas Linhalis poderá “pilotar” alguns dos municípios mais populosos. Nessa negociação, ambos cederam aqui e ali, sob as bênçãos de Renata Abreu.

Gilson Daniel e Victor Linhalis, com Renata Abreu entre eles (20 de setembro de 2023)
Além das eminências já citadas – os cardeais do Podemos no Espírito Santo –, algumas figuras do partido despontam como players importantes nessa reorganização de forças, mirando nas próximas eleições municipais.
Além da reeleição dos atuais prefeitos filiados à sigla (em Vila Velha, Viana e Guaçuí), o Podemos vai priorizar as candidaturas do prefeito Guerino Balestrassi (vindo do PSC) em Colatina, dos deputados estaduais Allan Ferreira em Cachoeiro e Lucas Scaramussa em Linhares e do ex-vereador Gedson Merízio em Guarapari.
Por certo, esses candidatos também terão influência na montagem das chapas de vereadores e na definição das estratégias e da política de alianças nos respectivos municípios.
Trata-se, enfim, de uma grande reorganização de forças do Podemos por todo o Espírito Santo.
Como se chegou a este ponto?
Há pelo menos dois anos, circulam comentários – sempre desmentidos pelos dois – sobre ruídos na relação de Gilson Daniel com Arnaldinho Borgo. Nas eleições legislativas do ano ado, o saldo geral do Podemos foi muito positivo em solo capixaba, com a eleição de três deputados estaduais e de dois dos dez federais do Espírito Santo. Mas o caminho até esse resultado deixou um acúmulo de arranhões na relação.
A maneira como Gilson de certo modo barrou a pré-candidatura de Ramalho ao Senado nunca foi inteiramente digerida nem pelo atual secretário estadual de Segurança, nem por Arnaldinho, nem por Victor Linhalis. Opondo-se a Gilson nesse tema, o prefeito e o ex-vice-prefeito de Vila Velha foram os principais defensores da tese de que o Podemos deveria lançar Ramalho ao Senado, mas seus votos foram vencidos pelo de Gilson – o único que realmente contava.
Também sobraram reclamações abafadas e ressentimentos mal resolvidos relativos ao custeio das respectivas campanhas – alguns queriam mais do que receberam do partido. Abaixada a poeira eleitoral e recolhidos os santinhos das ruas, o clima entre os figurões capixabas do Podemos ficou muito ruim.
ou a eleição, e de repente o Podemos já não tinha “apenas” Gilson e Arnaldinho. De pouco vistoso vice-prefeito, Linhalis foi guindado a federal. Com sua própria votação mais que dobrada em relação a 2018, Marcelo elegeu-se presidente do Legislativo Estadual. E, mesmo tendo perdido a disputa para federal, Ramalho também voltou à vitrine política, como secretário estadual de Segurança e possível candidato a prefeito de Vitória.
O Podemos cresceu no conjunto, mas todos eles também cresceram individualmente, saíram maiores das urnas e desejosos de poderem influir mais que antes nos rumos do próprio partido no Estado, tendo em vista os próprios planos de crescimento político nas próximas eleições – Marcelo, por exemplo, quer se lançar a federal em 2026.
Nos últimos meses, era crescente, embora não verbalizada, a insatisfação desses outros líderes locais do Podemos com o que consideram excessiva “concentração de poder” nas mãos de Gilson. Havia uma queixa velada com o fato de ele definir sozinho, por exemplo, a nomeação dos presidentes dos órgãos diretivos municipais, mesmo nos respectivos redutos.
Há cerca de dois meses, Linhalis e Arnaldinho foram se queixar de Gilson pessoalmente com Renata Abreu. Em silêncio, “o deputado federal do Arnaldinho” ensaiou, em meados do primeiro semestre, um movimento em direção ao União Brasil (UB), conversando em Brasília com ACM Neto e Antônio Rueda (a ala oriunda do DEM, adversária interna de Luciano Bivar).
O deputado capixaba chegou a pedir a Renata Abreu a carta de anuência da direção nacional para sair sem perder o mandato. Também cavou, via Brasília, um espaço para Marcelo se filiar ao UB, na esteira dele. O movimento não foi à frente, porém.
Em setembro, essa insatisfação chegou ao limite. Na noite do dia 19, Linhalis levou Marcelo ao encontro de Renata Abreu, em Brasília. Na fachada, foram apenas entregar uma singela homenagem à deputada. Longe das lentes, o motivo da visita foi outro.

Marcelo Santos e Victor Linhalis com Renata Abreu (18 de setembro de 2023)
Como não é segredo para ninguém, Marcelo quer sair do Podemos. No momento, tem articulação muito avançada para se filiar ao PSD. Para isso, precisa obter uma liberação que, na instância estadual, jamais lhe seria dada por Gilson. Então pulou um andar e foi direto à presidente nacional. Pediu a ela a carta de anuência.
Em vez disso, Renata Abreu acenou com a possibilidade de, por decisão da direção nacional, alterar a estrutura de comando do Podemos no Espírito Santo, substituindo o atual órgão estadual presidido por Gilson pelo “conselho de governança” a ser formado pelos principais líderes do partido no Estado, cada qual com igual poder decisório.
Marcelo respondeu que, se esse novo formato for de fato implementado, topa adiar sua desfiliação (por ora). Ele e Linhalis pediram pressa à presidente nacional. Dois dias depois, Linhalis e Gilson reuniram-se com Renata, no gabinete do líder do Podemos na Câmara. Foi a reunião mencionada acima, para definição dos termos do armistício e da divisão do mapa capixaba entre os dois parlamentares.
Para completar a Operação Bombeiros, Renata Abreu recebeu Ramalho em seu gabinete na última quarta-feira (27). Garantiu-lhe pessoalmente que o comando do Podemos em Vitória é todo dele e lhe estendeu tapete vermelho para ele ser candidato a prefeito da capital capixaba pela sigla.
